“Eis que estou à
porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa
e cearei com ele, e ele, comigo” (Ap. 3.20).
A cada dia que passa
convenço-me mais de que as palavras do Reverendo Augustus Nicodemus, ditas numa
de suas aulas de mestrado, são verídicas: “um
dos problemas mais sérios da igreja de nossos dias diz respeito à má utilização
da hermenêutica”.
Hermenêutica é a uma área da
teologia que nos dá as ferramentas adequadas para a correta interpretação de um
texto. Muitas são as vezes que formulamos idéias, conceitos, e teses, com base
em “achismos”, pré-conceitos, ou, na maioria das vezes, em leituras rápidas e
superficiais, desconsiderando, principalmente a autoria, gênero, o propósito, e
principalmente, o contexto em que as passagens bíblicas são colocadas.
Dentre as passagens bíblicas mais
conhecidas (populares) que são interpretadas erroneamente destaco 03 do Antigo Testamento,
e 03 do Novo Testamento, sendo que irei me ater um pouco mais, à última
passagem:
A) ANTIGO TESTAMENTO:
1) Êxodo 20.5,6: “Não as
adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso,
que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração
daqueles que me aborrecem 6 e faço
misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus
mandamentos” (Utiliza-se erradamente este texto para criar a doutrina da “maldição
hereditária” como se a ênfase do mesmo fosse aritmética);
2) Josué 1.3: “Todo lugar que
pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado, como eu prometi a Moisés” (Adeptos
da Confissão Positiva erradamente utilizam-se deste texto para dar ênfase às “conquistas territoriais”);
3) Salmo 23.1: “O SENHOR é o
meu pastor; nada me faltará” (Defensores da teologia da prosperidade usam erradamente este texto para dizer que o cristão jamais passará por privações na vida – Tradução interessante é a da NVI: “O Senhor é o meu pastor; de nada
terei falta”).
B) NOVO TESTAMENTO:
1) João 3.16: “Porque Deus
amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Erradamente utilizam-se
deste texto como se “mundo” significasse “cada pessoa que habita o planeta
terra”);
2) Filipenses 4.13: “tudo
posso naquele que me fortalece” (Utilizam-se deste texto para decretarem
“vitória” em todas as áreas de sua vida);
3) Apocalipse 3.20: “Eis que
estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em
sua casa e cearei com ele, e ele, comigo” (Utiliza-se deste texto para
evangelizar pessoas, conclamando-as a “abrirem seus corações” a Jesus).
Quais são as falhas dos irmãos, bem intencionados, especificamente tratando de Apocalipse 3.20?
PRIMEIRO ERRO: O PÚBLICO
Quem prega evangelisticamente
neste texto erra ao desconsidera o público a quem esta carta é dirigida.
Laodicéia era uma igreja autossuficiente, sim, mas não era uma comunidade
formada de gente pagã, não! Os membros daquela igreja eram cristãos salvos,
regenerados. Faça uma comparação do versículo 19: “Eu repreendo e disciplino a quantos amo”, com Hebreus 12.5-8. O
versículo 6 de Hebreus 12, diz: “porque o
Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho
a quem recebe”. A correção acontece a quem é filho.
SEGUNDO ERRO: O EXAGERO DO USO DA FIGURA
O versículo 20 diz: “Eis que estou à porta e bato”. Estes
irmãos raciocinam: “Se Cristo está à
porta, isso significa que ele está do lado de fora”. Há, aqui, claramente,
um “extrapolamento”, um exagero para com a figura utilizada. O que Cristo quer
dizer aqui é não é, necessariamente, que ele esteja do lado de fora da vida de
alguém, mas, que ele insiste “chamando”
(por sua Palavra) o pecador ao arrependimento, e “batendo” (por meio dos
diversos meios de graça). A insistência
de Jesus (graça) deve conduzir o pecador arrependido a utilizar sua
“reponsabilidade” e “abrir a porta”: “se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta”
(20). O “abrir da porta” evidenciará o genuíno arrependimento, mediante a
insistência graciosa do Senhor Jesus: “Sê,
pois, zeloso e arrepende-te”
(19).
TERCEIRO ERRO: A POTENCIALIDADE DADA AO PECADOR
Este é um erro claramente
bíblico/teológico. Tais irmãos lêem: “Se
alguém... abrir a porta...”, com
isso, consideram que o pecador não regenerado tem potencial, capacidade para “abrir seu coração”. Precisaríamos
aqui explorar o assunto “coração” na bíblia; não faremos por questão de
objetividade. Vale a pena dizer que o coração é “o núcleo do ser”, ou “o homem
descoberto”, como ele de fato é, na presença de Deus (Pv. 4.23, Jr. 17.10). Este,
encontra-se corrompido completamente (Jr. 17.9, Mt. 15.19).
O erro desses irmãos, nesse
terceiro ponto, é triplo. Primeiro;
antes do texto dizer sobre “abrir a porta”,
diz: “se alguém ouvir a minha voz”. A bíblia deixa claro que somente os salvos ouvem a voz do Senhor;
estes são os regenerados, chamados, por João de “suas (de Cristo) ovelhas”: “Mas vós não credes, porque não sois das
minhas ovelhas. 27 As minhas ovelhas
ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem” (João 10.26,27). Os
não regenerados são tratados nas escrituras como surdos (Is. 42.7,18, 43.8, At.
7.51). Segundo; em nenhuma parte das
escrituras há qualquer sugestão que um pecador não regenerado, morto em delitos
e pecados (Ef. 2.1), possua algum potencial, ou capacidade de abrir o seu próprio
coração, e receber a vida eterna. Na verdade, a bíblia caminha noutro sentido.
Ela demonstra que no pecador não regenerado não apenas não há capacidade, pois, seu coração é “duro como pedra” (Ez.
36.26), como também não há qualquer interesse
genuíno deste em dirigir-se, em mover-se em direção a Deus. Jeremias 13.23
diz: “Pode, acaso, o etíope mudar a sua
pele ou o leopardo, as suas manchas? Então, poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal?”. João
3.19 reitera: “O julgamento é este: que a
luz veio ao mundo, e os homens amaram
mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más”. E João 5.39,40:
“Examinais as Escrituras, porque julgais
ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. 40 Contudo, não quereis vir a mim para terdes
vida”.
Há ainda um terceiro erro, uma terceira verdade a
ser considerada por aqueles que acreditam que o homem possua capacidade de
abrir seu próprio coração. Em nenhuma parte das escrituras vemos alguém
“abrindo seu coração”. A bíblia demonstra que a salvação “não vem de nós”, não
é resultado do mérito, ou do esforço humano, mas “fruto da graça de Deus” (Ef.
2.8-10). Em Atos 16.14 há um claro modelo de como a salvação se processa; ali,
é demonstrado que é Deus quem abre o coração: “Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de
púrpura, temente a Deus, nos escutava; o
Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia”. Também
em Atos 11.18 nos é demonstrado que é Deus quem tem a capacidade de conceder
arrependimento para salvação, sendo este, portanto, uma dádiva divina: “E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se
e glorificaram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus
concedido o arrependimento para vida”. Spurgeon, o príncipe dos
pregadores, disse: “Só o Senhor pode
colocar a chave no buraco da fechadura e abrir a porta, e entrar por Si mesmo.
Ele é o dono do coração da mesma forma que é o seu criador”. João deixou
claro que uma das funções do Consolador, o Espírito Santo, seria convencer “o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo. 16.8). A bíblia dixa
claro que “é Deus quem opera em nós até
o querer e o realizar” (Fp. 2.13).
Apesar dessas 03 verdades ditas
anteriormente, que o pecador não tem capacidade, nem interesse, ou condição,
bem como, ser Deus quem concede salvação, arrependimento e convencimento,
deve-se considerar o nosso propósito original; ou seja, Cristo é insistente;
ele “bate”, e a responsabilidade nossa é “ouvir a voz” do Senhor, ou seja, atender
à sua voz.
QUARTO ERRO: CONSIDERAR CONVERSÃO COMO SENDO REGENERAÇÃO
Neste ponto fica fácil
compreender o erro desses queridos, e bem intencionados, irmãos. Apesar da boa
intenção incorrem em erro. Podemos demonstrar o erro, inicialmente, de forma
dedutiva.
O chamado de Jesus à igreja de
Laodicéia não foi um chamado à salvação, mas, um chamado à conversão, um apelo
à restauração, e à santificação. Se entendermos que eles eram cristãos
autossuficientes (3.15-19), mas, regenerados, fica fácil entender. Observe que autor
não diz: “Sê, pois, zeloso, e aceite
Jesus (auto regenere-se!)”, mas: “Eu
repreendo e disciplino a quantos amo. Sê,
pois, zeloso e arrepende-te”. A Teologia Sistemática tem (corretamente)
ensinado que a conversão é composta de duas partes: fé (confiança na obra de
Cristo) e arrependimento (revisão de valores). É isso que deveria acontecer com
os crentes daquela igreja; eles já eram salvos.
Não se deve pregar salvação a
quem, de fato, já foi regenerado. A regeneração acontece apenas uma vez na
vida, quando Deus soberanamente implanta em nós o “princípio de nova vida espiritual”
(Jo. 3.3, Ef. 2.1). Já a conversão acontece continuamente, regularmente. O povo
de Deus é constantemente chamado à conversão, ao arrependimento, a mudança de
vida (2 Cr. 7.14).
Deve-se observar ainda que
Jesus utiliza a figura da ceia. O convite para participarmos de uma ceia com
Jesus: “Eis que estou à porta e bato; se
alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com
ele, e ele, comigo” (19). Um judeu só convidava para desfrutar de uma ceia
consigo alguém que lhe fosse íntimo. Um desconhecido (o caso, um não
regenerado) de maneira alguma poderia entrar no recôndito do seu lar, desfrutar
de comunhão com ele, e usufruir uma refeição amigável. É assim também que
acontece na igreja do Senhor quando participamos da Santa Ceia; ela é restrita
àqueles que são o povo do Senhor, e usufruem da perfeita comunhão com ele.
Portanto, é infantilidade
considerar tal texto pela ótica do evangelismo pessoal. Quando se prega
salvação neste texto considera-se os membros da igreja de Laodicéia como
“não-crentes”, como não regenerados. A mensagem de Cristo à Igreja de Laodicéia
é uma exortação aos filhos amados que esfriaram na fé. É uma incoerência
utilizar esse texto para chamarmos pecadores à fé, pois, os pecadores que não
foram salvos, justificados, adotados na família de Deus, não são ainda filhos
de Deus (Jo. 1.12, Ef. 1.10).
O chamado de Jesus era à
restauração da comunhão com ele; comunhão essa perdida por causa do pecado da
autossuficiência de Laodicéia, e neste sentido, a imagem da ceia perfeitamente
se enquadra.
QUINTO ERRO: CONSIDERAR A SENTENÇA/JUÍZO “VOMITAR” COMO PERDA DE
SALVAÇÃO
Àquela igreja (Laodicéia), como
a todas as outras do Apocalipse (com exceção de Filadélfia) há uma ameaça em
forma de juízo. Grande parte dos irmãos, que pregam evangelisticamente neste
texto, consideram essa ameaça como perda de salvação: “Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca” (16).
Tais irmãos incorrem em dois
erros. Primeiro; se Laodicéia era
composta de gente que nunca foi salva, então, os mesmos já haviam sido
vomitados pelo Senhor, pois, não se
aplicará juízo a quem já está sob o juízo do Senhor. João 3.36 diz: “Por isso, quem crê no Filho tem a vida
eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas
sobre ele permanece a ira de Deus”.
Efésios 2.3, diz: “entre os quais também
todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos; e
éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais”.
Mas há um segundo erro. Há aqueles que entendem que pode ser que os crentes
de Laodicéia fossem regenerados, mas, que por se tornarem soberbos, altivos,
arrogantes, orgulhosos, e autossuficientes, perderiam a salvação dada pelo Senhor
(seriam vomitados). Quando assim se compreende “cobre-se um santo, e
descobre-se outro”. De fato as pessoas dali eram convertidas, eram regeneradas
(ponto 01), mas, é a bíblia que diz: “Eu
lhes dou a vida eterna; jamais
perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão”. (João 10.28). Já em
João 10.29, nos é dito: “Aquilo que meu
Pai me deu é maior do que tudo; e da mão
do Pai ninguém pode arrebatar”. Quem recebe a salvação não a perde. Se alguém
perdeu, “perdeu” o que nunca teve...
É preciso considerar que a base legal da salvação dos filhos de
Deus é a obra de seu Filho (1Pe.1.19), e a ressurreição de Jesus é a confirmação da satisfação de Deus em
relação a mesma (1 Pe. 1.3). A obra de Cristo tornou possível o imediato perdão, a remissão de todos os
nossos pecados (Ef. 1.7). A linguagem bíblica é que uma série de bênçãos já
aconteceu na vida de seus filhos; eles já foram “transportados para reino do
Filho do Seu amor” (Cl. 1.13). A sentença de Jesus à igreja de Laodicéia,
ou seja, o “vomitar da boca” não pode ser algo como “perder a salvação”. Não há
mais como voltar atrás. No entanto, Laodicéia poderia deixar de existir,
enquanto igreja, enquanto denominação; isto seria algo semelhante ao “mover o
seu candeeiro” (Ap. 2.5); ela deixaria de ser o referencial de Cristo, a
portadora da luz de Cristo a este mundo, seria como a luz que é colocada debaixo
do alqueire, ou como o sal que deixa de ser sal; por tornar-se insípido é
pisado pelos homens (Mt. 5.13-15).
As 07 igrejas do Apocalipse deveriam
se enxergar como as portadoras da luz de Cristo ao mundo (elas eram os
candeeiros pelos quais Cristo espargiria sua luz ao mundo). As 07 igrejas
deveriam vigiar a conduta, e não deixarem-se enredar pelo mundanismo de seus
dias. Às 06 igrejas que são reprendidas, as palavras de juízo são pontuais,
duras, e pesadas, porém, em nenhuma delas tais palavras sequer sugestionam o “perder
a salvação” (Ap. 2.5,10,16,21-23; 3.3,16).
Por incrível que pareça o juízo
foi aplicado. Laodicéia não existe mais, enquanto igreja, naquele lugar. Nos
dias de hoje não existem lá outras coisas, senão, ruínas. As portas foram
fechadas. Laodicéia foi vomitada!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVejo esta questão aqui, como aquele ditado popular, Faz a tua parte que eu te ajudarei, independente do contexto, que é nó para manga, e base para um estudo demorado, creio que Deus faz o impossível e o possível é para nós e isso está dentro da responsabilidade humana , creio também que Deus é soberano e como soberano ele abre também a porta do nosso entendimento (coração), para tanto é preciso que dentro de nossa responsabilidade demos total condições para que esse abrir de Deus aconteça, em fim Deus é soberano , ele pode todas as coisas estão em todo lugar , sabe de todas as coisas , nós pecadores , destituídos da sua gloria , temos aqui dois caminhos , primeiro, continuar como estamos , fechados colocando dificuldades para o entendimento, ou facilitar o entendimento , deixar Jesus Cristo invadi-lo, e termos a vida eterna.
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