terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Você sabia que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro?

É verdade: O SENHOR JESUS NÃO NASCEU NO DIA 25 DE DEZEMBRO. Veja a perspicuidade das escrituras.
Quando Jesus nasceu “Havia pastores no campo, que velavam e guardavam seus rebanhos durante as vigílias da noite” (Lucas 2:8).
Isto jamais poderia acontecer na Judéia no mês de Dezembro. Os pastores tiravam seus rebanhos dos campos em meados de Outubro e os guardavam para protegê-los do inverno que se aproximava, tempo frio e de muitas chuvas.
A Bíblia relata isso em Cantares 2:11: "Porque eis que se passou o inverno, cessou a chuva e se foi". Também em Esdras 10:9,13, se diz que o inverno era época de chuvas e frio: Então, todos os homens de Judá e Benjamim, em três dias se ajuntaram em Jerusalám; no dia vinte do mês nono, todo o povo se ajuntou na praça da Casa de Deus, tremendo por causa desta coisa e por causa das grandes chuvas... Porém, o povo é muito, e, sendo tempo de grandes chuvas não podemos estar aqui de fora; e não é isso obra de um dia ou dois, pois somos muitos os que transgredimos nesta coisas
É digno de nota observar que:
1) O povo se ajuntou no NONO MÊS (chamado Quisleu), que era o nosso DEZEMBRO. Era portanto, época de frio e chuvas  o que tornava impossível a permanência dos pastores com seus rebanhos à noite no campo (Para um entendimento melhor da ordem do Calendário Judaico veja em "A Bìblia de Genebra", o quadro "Calendário Judeu", página 220).
 2) “Era um antigo costume dos judeus daqueles tempos levar seus rebanhos aos campos e desertos nas proximidades da Páscoa (em princípio da primavera) e trazê-los novamente para casa ao começarem as primeiras chuvas” (Adam Clark Commentary, vol.5, página 370). Naquele tempo não havia cercas entre as propriedades; os pastores saíam com rebanhos procurando bons pastos e por lá ficavam com as ovelhas durante meses a fio. Ali ele dormia com elas; as tosquia, etc... Ao se aproximar o inverno ele as recolhia a um local coberto e protegido; as retirava do campo a partir de OUTUBRO, pois, a exposição ao frio, e a lã enxarcada por causa da chuva, as mataria de hipotermia (frio exagerado), ou outras doenças.
3) Há ainda um terceiro detalhe. Lembre-se que na época do nascimento de Jesus, César Augusto, o imperador, convocou um recenseamento geral (Lc. 2:1-5). Será que ele o faria isso na época de chuvas e frio? Seria ridículo. O povo, mesmo os mais abastados, teriam muita dificuldade de locomoção no inverno. Não se esqueça que o povo de Deus (Judeu) era cativo do Império Romano, nesta época. Seria um desastre um recenceamento, entre novembro e dezembro (época de inverno, de frio e chuvas), ali na Palestina 
Qualquer enciclopédia ou outra autoridade (mesmo católica) confirma este fato. A Nova Enciclopédia de Conhecimento Religiosos de Shaff-Herzog, explica claramente: “Não se pode determinar com precisão até que ponto a data desta festividade teve origem”. O fato é que Jesus não nasceu em 25 de Dezembro.
Mas, caminhe comigo, agora, um pouco mais devagar, sem conclusões precipitadas. Tudo o que falei anteriormente não significa que não devamos comemorar o natal em Dezembro. Veja bem: Relembrarmos a encarnação, cultuarmos a Deus pela vinda de Seu Filho ao mundo, e evangelizarmos intencionalmente é algo importante, independente de sabermos ou não com precisão sua data.
Portanto, não há nada de errado em se comemorar o nascimento de Cristo em dezembro, ou em a igreja realizar atividades natalinas na época do fim do ano, no Natal. Nós não adoramos a DATA, mas, pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo que veio ao mundo, em carne, com certeza, independente de sabermos com prescisão o dia de sua vinda.
Na verdade, acredito, pessoalmente, que até por isso mesmo, Deus, por sua Providência, não nos revelou essa data, pois, com muita propriedade "perderíamos o foco". Poderíamos adorar a data ao invés do nosso Senhor; essa mudança de direção costuma ser muito comum.
Nosso foco é a vinda de Cristo p/ salvar os pecadores (1ª Tm 1:15); não os detalhes de sua data.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

11/12/11 DIA DA BÍBLIA - CALVINO E A CERTEZA DA INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA

I. INTRODUÇÃO

O calvinismo trata-se de um sistema teológico que tem dominado a mente e o coração de quem o conheceu pela sua fidelidade às Escrituras Sagradas. O que ele faz ao anunciar seus conceitos é apresentar o ponto de vista da Bíblia. Tudo o que ele se propõe a realizar é deixar Deus falar através da sua Palavra inspirada. Um verdadeiro pregador calvinista é alguém que expõe a Bíblia por mais que suas verdades escandalizem os seus ouvintes. John Leith é fiel aos fatos ao fazer a seguinte afirmação:

Não há dúvida de que a intenção de João Calvino era ser um teólogo bíblico. Em seu testamento, ele se identificou como ‘eu, João Calvino, ministro da Palavra de Deus de Genebra’... Uma das mais admiráveis características do trabalho de Calvino como teólogo foi sintetizar o trabalho de exegeta, teólogo sistemático e pregador. Tal síntese fundamentava-se na convicção de que toda a teologia está sujeita à Palavra de Deus...”.[1]

Ser calvinista é ser bíblico. Isto porque a fé calvinista parte da pressuposição de que a Bíblia é um livro inspirado por Deus. Uma das principais convicções da fé reformada é que todo o material recebido pelo homem mediante a revelação sobrenatural de Deus, foi registrado de modo infalível pelos escritores bíblicos através da obra de inspiração do Espírito Santo. A fé reformada crê na inspiração plenária e verbal da Bíblia. Como diz o teólogo calvinista Charles Hodge:
Todos os livros da Escritura são igualmente inspirados. Todos são igulamente infalíveis no que ensinam...a inspiração abrange todo o conteúdo desses vários livros. Não se confina às verdades morais e religiosas, mas se estende às declarações dos fatos, sejam científicos, históricos ou geográficos. Não se limita aos fatos cuja importância é óbvia, ou que se envolvem em questões doutrinais. A inspiração estende-se a tudo o que algum escritor sacro assevera ser verdadeiro.[2]

É o próprio Charles Hodge que nos lembra que a principal razão da teologia reformada crer numa inspiração plena, e, que sendo assim se estende às próprias palavras empregadas pelos autores escriturísticos, é a autoridade do Senhor Jesus Cristo:


Acima de tudo, Cristo é o grande objeto da fé cristã. Cremos nele e cremos em tudo mais sob sua autoridade. Ele nos leva ao Antigo Testamento e nos diz que ele é a Palavra de Deus; que seus autores falaram pelo Espírito; que as Escrituras não podem falhar. E cremos em seu testemunho. Seu testemunho a seus apóstolos não é menos explícito, embor dado de modo diferente. Ele lhes prometeu dar uma boca e uma sabedoria às quais seus adversários não poderiam contradizer ou resistir.[3]

Deus, sendo assim, tem se revelado ao homem de duas formas: através do testemunho que dá de si mesmo por meio da sua criação, e mediante o testemunho que dá de si mesmo nas Escrituras Sagradas. Para a fé reformada se um homem quer conhecer a Deus precisa ler os dois livros que Deus escreveu: a criação e a Bíblia. Como diz Bavinck (1854-1921):


A grande diferença entre essa pronunciação da parte de Deus na revelação geral e, aquela na revelação especial é que, na primeira Deus deixa o homem encontrar-se por si mesmo Seus pensamentos nas obras de Suas mãos e na segunda, Ele mesmo dá expressão direta a esses pensamentos e dessa forma os oferece à mente do homem.[4]

Calvino em seu tratamento dado à doutrina da inspiração, além de haver estabelecido as bases da doutrina procurou mostrar como uma pessoa pode chegar à certeza de que a Bíblia é a Palavra de Deus. O grande reformador preocupou-se com o fato de que num mundo onde a Bíblia é sempre atacada pelos inimigos da fé cristã, todo aquele que se aproxima das Escrituras Sagradas precisa saber as bases intelectuais da sua inspiração. E não apenas isso. Calvino sabia muito bem que por causa da doutrina da incapacidade total do homem de por si mesmo obter conhecimento salvador de Deus, que esta certeza jamais seria apenas de natureza intelectual. A certeza da verdade bíblica é de natureza espiritual. Embora o intelecto deva ser aplicado na busca pela certeza da verdade bíblica, ninguém é convencido da inspiração bíblica sem antes haver sido objeto de uma obra de iluminação espiritual.


O meu objetivo neste trabalho é o de mostrar o caminho apresentado por Calvino para a obtenção da certeza da inspiração da Bíblia. Muito se tem falado a favor da doutrina da inspiração da Bíblia, mas como se pode defendê-la racionalmente e se chegar à uma certeza não racionalista da sua verdade? Como apresentar a doutrina da inspiração para um não cristão? Por qual meio alguém que anseia crer pode chegar à certeza da verdade bíblica?


O tema proposto é de extrema relevância pelos seguintes motivos: primeiro, muitos têm procurado ser calvinistas removendo as bases sobre as quais esta mesma fé está alicerçada. Precisamos mostrar que é uma contradição alguém se dizer calvinista e não crer na inspiração da Bíblia. Não há uma só passagem das Escrituras que Calvino tenha considerado mera produção humana, ou algo tão somente culturalmente condicionado. Como muito bem nos lembra o teólogo americano B. B. Warfield: “Ele (Calvino) declara com confiança sua conclusão em favor da canonicidade de todo o corpo de livros que compõe nossa Bíblia, e em todos os seus escritos e controvérsias ele age firmemente nessa pressuposição”.[5]


Em segundo lugar, precisamos também saber quais as consequencias do ponto de vista de Calvino sobre como se chegar a certeza da inspiração para a apologética cristã. Como haveremos de defender a doutrina da inspiração da Bíblia na presença de pessoas não cristãs? Como apresentarmos um caminho para a obtenção da certeza da verdade espiritual que não faça violência a mente dos seres humanos e ao mesmo tempo não os leve a acreditar numa espécie de apologética arminiana onde o indivíduo pode chegar à verdade espiritual sem a obra da graça especial de Deus?


Em terceiro lugar, como uma pessoa que se encontra sob convicção de pecado, teme ser lançada no inferno e permanece transtornada por se ver sob a ira de Deus, mas não consegue crer ainda na Bíblia, pode acreditar na inspiração desta? Haveremos de tentar convencê-la a crer que ela crê? Procuraremos tranquilizar seu coração quanto à saúde da sua vida espiritual enquanto esta encontra-se num péssimo estado espiritual? Haveremos de consolá-la dizendo que apesar de Deus ser luz a fé é um salto no escuro?


O meu alvo, portanto, é o de apresentar o caminho para a obtenção da certeza de natureza espiritual através da Bíblia. Para isto procurarei mostrar à luz do que Calvino ensinou dois pontos básicos: o primeiro, que para Calvino faz parte do conceito de fé a certeza da verdade espiritual. Fé salvadora não é a crença no que se espera de modo inseguro ser verdadeiro. Deus não deixaria o homem em questões de vida ou morte numa penumbra que o impede de descansar. Como declara Jonathan Edwards:


É irracional supor que Deus tenha provido para Seu povo não mais do que uma evidência provável da verdade do evangelho. Ele tem com grande cuidado provido abundantemente e dado a ele as mais convencedoras, asseguradoras, satisfatórias e múltiplas evidências da Sua fidelidade no pacto da graça”.[6]

Em segundo lugar, quero defender o papel soberano do Espírito Santo nesta obra de iluminação espiritual e quais as consequencias práticas para a vida daquele que anseia saber se a Bíblia é a Palavra de Deus. Espero à luz da teologia calvinista mostrar como que o ser integral do homem deve estar envolvido nesta busca. A mente precisa considerar os fatos e coração ser desacorrentado da servidão ao pecado para que o homem na totalidade do seu ser possa ser atingido pela verdade bíblica.

II. A FÉ SALVADORA E A CERTEZA DA INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA

A primeira coisa que precismos saber é se para Calvino a certeza da veracidade da Bíblia era algo possível, fundamental para a vida cristã, parte integral da fé salvadora e a ser buscado pelo homem. A discussão pode parecer absurda, mas como existem correntes teológicas que apregoam uma espécie de fé que não vem acompanhada de certeza é importante que vejamos a relação entre fé e certeza da verdade escriturística no pensamento de Calvino.


O que veremos é que Calvino não separava fé salvadora da certeza da verdade. A busca da certeza deveria ser empreendida com todo vigor e depêndencia da graça divina. A salvação gratuita obtida pela fé vem acompanhada de um grau de iluminação espiritual que dissipa as dúvidas do coração daquele que crê. Sendo assim, um aconselhamento estritamente calvinista feito à alguém que anseia não ser condenado com os ímpios, mas que ao mesmo tempo não consegue crer, jamais seguiria a seguinte linha: “creia que você está bem”, enquanto o aconselhado não manifesta em sua vida um dos principais frutos da regeneração, que é uma fé firmada na veracidade daquilo que Deus revela na sua palavra.
Para Calvino não resta dúvida de que este tipo de fé foi o grande sinal característico da fé vetero-testamentária:


Seja, porém, que aos patriarcas Deus se fez conhecido através de oráculos e visões, seja que mediante a obra e o ministério de homens deu a saber o que, depois, pelas próprias mãos houvessem de transmitir aos pósteros, está fora de dúvida, todavia, haver-lhes sido gravada no coração a firme certeza da doutrina, de sorte que fossem persuadidos e compreendessem que procedera de Deus o que haviam aprendido. Pois, através de Sua Palavra, para sempre não dúbia fez Deus a fé, fé esta que houvesse de ser superior a toda mera opinião.[7]

Calvino defendeu ardentemente o ponto de vista de que a autoridade da Bíblia não depende do arbítrio da igreja, mas que a igreja tão somente reconhece a credibilidade da Bíblia:


Entre a maioria, entretanto, tem prevalecido o erro perniciosíssimo de que apenas tanto de valor assiste à Escritura quanto lhe é concedido pelos alvitres da igreja. Como se, de fato, a eterna e inviolável verdade de Deus se apoiasse no arbítrio dos homens![8]


Esse reconhecimento é certo e seguro: “Ora, se assim é, que acontecerá às pobres consciências que buscam segura certeza da vida eterna, se todas e quaisquer promessas que existem a seu respeito subsistam embasadas no só julgamento dos homens?”[9] Qual o ponto principal da discussão? Para Calvino a autoridade da Bíblia trata-se de algo tão incontestável que tudo o que a igreja precisou fazer foi tão somente receber os livros que se mostravam à ela como absolutamente confiáveis devido à sua origem divina. Fazer esta credibilidade depender da escolha da igreja era inverter a ordem das coisas. A igreja não é anterior a Bíblia, a Bíblia é que é anterior à igreja. A igreja nasce da pregação da palavra de Deus:


Mas, palradores desta espécie até com uma só palavra do apóstolo à saciedade se refutam. Categoriza ele (Ef 2:20) que a igreja se sustém no fundamentos dos Profetas e Apóstolos. Se o fundamento da Igreja é a doutrina profética e apostólica, impõe-se a esta haver assistido certeza própria antes que aquela começasse a existir.[10]

A discussão travada com teólogos católicos do seu tempo pode parecer para nós inóqua, mas uma grande questão estava em jogo. A questão da autoridade final. Existem duas autoridades finais em questões de fé e prática, a saber, a Bíblia e a igreja? Ou a Bíblia é a única regra de fé e prática do povo de Deus? As consequencias práticas da resposta eram seriíssimas. A primeira, é que se existem duas autoridades finais a consciência dos cristãos deve estar cativa não apenas à Bíblia, mas à igreja também. E isto é deseperador, pois a igreja tem cometido erros ao longos dos séculos. Em segundo lugar, a Bíblia seria despojada da sua majestade ao se afirmar que para servir de regra de fé e prática para a igreja era necessário o testemunho desta. Para Calvino a idéia da Bíblia depender do testemunho da igreja era absurda em razão do fato também de que a experiência de todos os crentes ao lerem a Bíblia apontava na direção justamente oposta:


Vaníssima é, portanto, a ficção de que o poder de julgar a Escritura está na alçada da igreja, de sorte que se deva entender que do nuto desta, a igreja, depende a certeza daquela, a Escritura. Consequentemente, enquanto a recebe e de sua aprovação a sela, a igreja não a converte de duvidosa, ou de outro modo controvertida, em autêntica; ao contrário, porque a reconhece ser a verdade de seu Deus, por injunção da piedade, sem restrição alguma a venera.[11]

Como destaca J. I. Packer: “A igreja não confere autoridade a uma coleção de livros que tem mera origem humana, mas reconhece a autoridade inerente dos livros que tiveram origem divina”.[12] Em suma, para Calvino, pode-se distinguir a inspiração da Bíblia de modo indubitável: “Pois a Escritura manifesta plenamente não menos diáfana evidência de sua verdade que de sua cor as coisas brancas e pretas, de seu sabor as doces e as amargas”.[13]


Calvino ensinava que Deus torna a verdade escriturística certa para quem lê a Bíblia por revelar de modo inequivoco que está a falar através da mesma. Isto significa que de uma forma sobrenatural o leitor das Sagradas Escrituras é tomado de uma real convicção da verdade por perceber que Deus está a ele se comunicando pela Sua Palavra:


Impõe-se reafirmar o que referi pouco atrás: a credibilidade da doutrina se não firma antes que se nos persuada além de toda a dúvida de que seu autor é Deus. Destarte, a suprema prova da Escritura se estabelece reiteradamente da pessoa de Deus nela falar.[14]

Por isto o nome do Deus cristão pode ser invocado de modo seguro, pois fica evidente para aquele que tem acesso às verdades bíblicas que Deus está a lhe falar ao coração: “Cumpre-se agora como não de opinião apenas provável, mas de líquida verdade, o nome de Deus se evidencia ser invocado não temerária, nem enganosamente”.


Esta certeza embora seja alcançada de modo sobrenatural, segundo Calvino ao mesmo tempo satisfaz as demandas intelectuais de quem crê no testemunho que Deus dá de si mesmo na Sua Palavra. Há, portanto, no calvinismo um elemento místico, sobrenatural e espiritual no recebimento de certeza da veracidade das doutrinas bíblicas, mas que opera mediante às leis da constituição humana. Este era o ponto de vista de Jonathan Edwards, conforme várias citações do mesmo agrupadas por John Gerstner:


O homem foi feito à imagem divina a fim de que Deus pudesse se comunicar com ele e não confundi-lo. A mais perfeita harmonia existe entre a razào sadia e a Bíblia. Tudo o que Deus revela, portanto, está de acordo com à razão e adaptado às capacidades finitas do homem. Os homens são racionais... A Bíblia não pede a eles para crerem contra à razão. Ela não chama para crucificar o intelecto ou acreditar em alguma coisa demonstravelmente absurda. Ela simplesmente requer um inteligente uso da inteligência; um racional usos da razão. O caminho para o coração é apenas através da porta do entendimento. O que é verdade em teologia e verdade em filosofia.[15]

É fato que o coração do homem não pode se regozijar com aquilo que a mente não aceita como verdadeiro. E para o grande reformador francês esta convicção sobrenatural da verdade bíblica aloja-se no coração por haver convencido a mente:


Portanto, iluminados pelo seu poder, que a Escritura procede de Deus já não cremos ou pelo nosso julgar, ou pelo julgar de outros; ao contrário, com a máxima certeza, não menos que se nela contemplássemos a majestade do próprio Deus, concluímos, acima do julgamento humano, que ela nos há defluído da propríssima boca de Deus, mediante o ministério de homens.[16]

A obra de iluminação da verdade bíblica é de tal natureza, que gera uma espécie de convicção que não requer razões, embora seja profundamente racional:
Tal é, portanto, uma convicção que não requer razões; tal um conhecimento a que assiste a mais sublimada razão, na verdade, em que a mente descansa mais firme e constantemente que em quaisquer razões; tal, enfim, um sentimento que não pode nascer senão de celeste revelação.[17]

O conhecimento de Deus por meio das Escrituras era tão seguro para Calvino, que este podia afirmar que toda operação espiritual verdadeira poderia ser discernida mediante a análise da mesma pelas Escrituras Sagradas:


De onde facilmente entendemos que, se ansiamos por auferir algum uso e fruto da parte do Espírito de Deus, imperioso nos é aplicar-nos diligentemente a ler tanto quanto ouvir a Escritura... Pois quê? Uma vez que Satanás se transfigura em anjo de luz (II Co 11:14), que autoridade terá o Espírito entre nós, a não ser que se discirna mediante sinal de absoluta certeza?[18]

É evidente que para Calvino ao crente é possível obter-se certeza da credibilidade da Bíblia e que faz parte de sua definição de fé a certeza da veracidade daquilo que Deus fala através da Sua Palavra. Deus, faz com que tal aconteça a fim de que seus filhos não vacilem em um mundo onde constantemente o crente carece do consolo seguro das Escrituras. Com a Bíblia na mão o crente pode silenciar a voz de uma consciência acusadora, apaziguar um coração enlutado e crer que há propósito para a vida humana num mundo caracterizado pela presença de doença e morte.


Embora, esta mesma fé possa ser assaltada por dúvidas, atacada por Satanás e ser acometida por fraquezas das mais diferentes espécies, é evidente que é da natureza da definição da palavra fé a certeza daquilo que se constitui o objeto da crença. A consequencia prática para a vida cristã disso tudo asumirá pelo menos duas formas: em primeiro lugar o crente verá a dúvida que lhe assalta não como incredulidade, que é uma recusa deliberada em crer, mas como uma doença da fé que precisa ser curada. Em segundo lugar, ninguém é estimulado pelas Sagradas Escrituras a crer que crê. Como muitos até mesmo afirmam: crer na escuridão. Ora, a fé salvadora é de tal natureza que quando esta se manifesta, as demais virtudes cristãs se manifestam também. Quem é levado a crer pela obra de iluminação sobrenatural divina adquire segurança quanto a autenticidade do que lhe é prometido como também é levado a experimentar reais transformações em sua vida. A fé que nos faz crer que nossos pecados foram perdoados nos livra do pecado da incredulidade também.

III. A CERTEZA DA INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA E O TESTEMUNHO INTERNO DO ESPÍRITO SANTO

Chegamos agora a um ponto fundamental. Como um pecador pode chegar à conclusão segura de que Deus está a lhe falar pelas Escrituras? Já vimos que para Calvino a certeza faz parte da própria definição de fé. Que o crente é alguém que sobrenaturalmente foi levado a saber que Deus lhe falou pelas Escrituras. Mas, como tal ocorre? É algo sobre o qual o crente não pode falar ao incrédulo? Trata-se de uma experiência absolutamente incomunicável? Podemos dizer que é uma espécie de fé sobre a qual o crente não pode falar para si mesmo? Nos ataques a esta mesma fé tudo o que o crente tem a dizer para seu próprio coração é “cale-se e tão somente creia”?


Este é um dos pontos mais controversos da apologética de Calvino. Pois, aparentemente ora Calvino leva seus leitores para o fideísmo, e ora o mesmo parece ser bastante racionalista. Em alguns momentos somos levados a crer que a aquisição da certeza da inspiração da Bíblia é de tal modo obra da luz sobrenatural de Deus concedida ao crente, que a mente não desempenha papel algum neste processo. Mas, em outras tantas ocasiões Calvino parece dizer que crer na inspiração da Bíblia é uma questão de tão somente parar para pensar. Sua inspiração é tão evidente que só uma mente obtusa para não reconhecê-la.
Certamente por causa de tudo aquilo que Calvino falou de modo direto e indireto sobre a necessidade da obra de iluminação do Espírito Santo, não há certeza da inspiração que seja obtida através tão somente de apologética. Claramente, de modo direto, Calvino apresenta o Espírito Santo como o agente do conhecimento salvador da veracidade das Escrituras. E indiretamente tal torna-se evidente por causa da antropologia calvinista. Quem é o homem para Calvino? Um ser que perdeu a liberdade em razão da queda. O homem é alguém cego para a verdade de Deus por causa do estado de depravação em que se encontra o seu coração. Este subverte as próprias avaliações racionais, impedindo assim o homem de ver o que é tão evidente. A nossa raça por natureza não está disposta a ver a verdade por amar a mentira. Falando sobre a repressão do conhecimento de Deus produzida pelo coração pecador, o teólogo norte-americano R.C. Sproul afirma:
Em termos teológicos, o que resulta da repressão é a profissão do ateísmo, tanto em termos militantes ou na forma menos militante do agnosticismo, ou em uma espécie de religião faz Deus ser menos ameaçador do que ele realmente é. Tanto a opção do ateísmo ou religião diluída, manifesta uma troca da verdade pela mentira. A verdade é trocada pela mentira simplesmente porque parece ser mais fácil viver com a mentira.[19]

Esta obra, porém, tão fundamental para que o coração desacorrentado do mal permita a mente a não perverter a verdade, não é de modo algum realizada de modo irracional. Para Calvino o crente é alguém que foi levado a crer mediante provas que estão para além das demonstrações racionais, mas não aquém destas. A razão desassistida da iluminação não consegue enxegar nada, mas quando a obra de iluminação é feita a razão pode enxergar tudo. Como declara Jonathan Edwards em Religious Affections comentando como uma visão da glória divina do evangelho convence a mente da verdade do cristianismo:
Ela assim o faz, em primeiro lugar, porque como os preconceitos do coração contra a verdade das divinas coisas são por este meio removidas, para que mente assim permaneça aberta à força das razões que são oferecidas a mente do homem é naturalmente cheia de inimizade contra as doutrinas do evangelho; o que se torna uma desvantagem para aqueles argumentos que provam sua veracidade, e os faz perder a força sobre a mente. Mas quando uma pessoa descobre para si a divina excelência das doutrinas cristãs, esta destrói a inimizade, e remove os preconceitos, e santifica a razão, e a torna aberta e livre.[20]

Na teologia calvinista, portanto, o conhecimento de natureza espiritual é obtido mediante a ação do Espirito Santo. Porém, o mesmo Espírito age de uma tal forma que a constituição humana integral é levada em consideração. Neste sentido o método do Espírito nunca é converter o ser humano sem que este veja razões para tal. Embora não seja o homem convertido pela razão, não é convertido sem ela. Sendo assim, faz-se mister que façamos uma análise desta forma de operação do Espírito Santo onde o homem convence-se intelectualmente da veracidade da Palavra escrita de Deus e experimenta esta mesma verdade com seu poder libertador no coração.


3.1 O CONVENCIMENTO RACIONAL DA INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA
Para Calvino a única explicação que existe para a recusa do homem em se curvar à revelação que Deus faz do Seu plano de salvação e de Si mesmo na Bíblia é a disposição inata do coração humano para o mal. As evidências racionais são de tal magnitude que qualquer mente que não esteja condicionada pelo coração a crer no erro haverá de facilmente reconhecê-las. John Frame(1939-) muito acertadamente afirmou: “Fé não é apenas pensamento racional, mas não é irracional também. Não é crença na ausência de evidência; preferivelmente, ela é a confiança que repousa sobre evidência suficiente”.[21]


Antes de tudo Calvino ensina que ninguém consegue fazer uma leitura racional da vida sem as Sagradas Escrituras. Estas são os óculos pelos quais conseguimos ver aquilo que estamos impedidos de exergar por causa do pecado que habita em nosso coração:


Exatamente como se dá com pessoas idosas, ou enfermas dos olhos, e quantos quer que sofram de visão embaçada, se puseres diante deles até mui vistoso volume, ainda que reconheçam ser algo escrito, mal poderão, contudo, ajuntar duas palavras; ajudadas, porém, pela interposição de lentes, começaram a ler de forma distinta. Assim a Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de Deus de outra sorte confuso, dissipada a escuridào, mostra-nos em diáfana clareza o Deus verdadeiro.[22]

Sendo assim, uma das formas do Espírito Santo levar uma pessoa de modo estritamente racional a crer na veracidade da Bíblia é aquilo que muitos crentes vieram a relatar como experiência subsequente ao recebimento da revelação bíblica. A impressão que tudo se fez claro. A vida com toda a sua complexidade passou a se compreendida. Experiência análoga a de pessoas míopes quando saem de uma clínica de oftalmologia com um par de óculos pela primeira vez em suas vidas. Tudo parece brilhar, estar mais vivo e colorido. O fato desta revelação haver sido dada de modo escrito era algo bastante racional para Calvino:


Com efeito, se refletimos quão acentuada é atendência da mente humana para com o esquecimento de Deus, quão grande a proclividade para com toda sorte de erro, quão pronunciado o gosto de a cada instante forjar novas e fantasiosas religiões, poder-se-á perceber quão necessária haja sido tal autenticação escrita da celeste doutrina, para que não deperecesse pelo olvido, ou se dissipa-se pelo erro, ou fosse da petulância dos homens corrompida.[23]

Hermann Bavinck (1854-1921) partilhava da mesma convicção quanto ao porque de uma revelação escrita ser necessária:


A palavra escrita difere da palavra falada pelo fato de que ela não se perde no ar, mas é preservada; ela não é como as tradições orais, sujeitas a falsificação...A escrita dá um caráter de permanência à palavra falada, protege-a contra a falsificação e aumenta seu alcance.[24]

Outro fato que chamava a atenção do grande pastor de Genebra era a observação de que as nações que somente contaram com a revelação natural de Deus e não tiveram acesso a Bíblia, de modo contrário ao povo judeu viveram sempre numa grande escuridão espiritual:


Ora, já que, em razão de sua obtusidade, de modo nenhum pode a mente humana chegar até Deus, salvo se assistida e sustentada por Sua Sagrada Palavra, todos os mortais, então, excetuados os judeus, porquanto buscavam a Deus sem a Palavra, de necessidade foi vagassem na fatuidade e no erro.[25]

Calvino ressaltava a autenticação divina da pregação da Palavra na forma de operações milagrosas como outro sinal da inspiração da Bíblia. Ao falar, por exemplo, sobre Moisés Calvino diz o seguinte:


Agora, na verdade, tantos e tão insignes milagres que Moisés refere são outros tantos endossos da Lei por ele próprio outorgada e da doutrina dele comunicada... não estava Deus, porventura, a recomendar do céu a este preciso homem como Seu indubitável profeta?[26]

A perenidade da Bíblia e sua preservação sobrenatural eram para Calvino bons argumentos para se estabelecer a inspiração da Bíblia. É fato, como alguém já falou, que a Bíblia é uma bigorna que tem destruído muitos martelos. Nunca uma obra foi tão atacada pelos homens. O mundo que crucificou a Cristo tem tentando crucificar a Bíblia também. Contudo, esta permanece inabalável: “Se é fato que, em dias passados, quase ninguém houve, de intelecto mais agudo, quer sofista, quer retórico, que não haja intentado contra ela seus recursos, todos, no entanto, nada conseguiram”.[27]


O poder das Escrituras de transformar a vida dos mais diferentes tipos de pessoas encantava Calvino:


Acrescenta, ainda, aqui, que a recebê-la e abraça-la, não se concertou apenas uma cidade, não apenas uma só nação; ao contrário, quão ampla e vastamente se estadeia o orbe terrestre, por um santo acordo de variadas nações que, doutra sorte, nada tinham em comum entre si, a escritura logrou sua autoridade. Ademais, como nos deve emocionar profundamente uma talconjunção de espíritos tão diversos e em todas as cousas doutro modo discordantes entre si, quando transparece que ela se não alcançou senão por injunção celeste! Todavia, não pouco peso se lhe acresce quando miramos a piedade dos que assim concordam, não de todos, certamente, mas daqueles que, como luzeiros, o Senhor quis refulgisse Sua igreja.[28]

E, entre tantas provas mais que Calvino apresentava como evidências racionais da inspiração da Bíblia, o fato do testemunho desta ter sido selado com o sangue dos mártires era mais um motivo de segurança quanto a credibilidade da Bíblia:
Agora, com quão grande segurança se nos impõe engajarmo-nos nesta doutrina que vemos ratificada e testemunhada pelo sangue de tantos varões santos? esses varões, uma vez recebida esta doutrina, não vacilaram em enfrentar a própria morte, animosa e intrepidamente, e até mesmo com exalçado júbilo.[29]

Estes são alguns dos argumentos racionais para a crença da inspiração da Bíblia que encontramos nas Institutas de Calvino. Porém, para ele havia uma prova maior que atingia o ser integral do homem de uma tal forma que a coisa era estabelecida de modo inconteste. O argumento da beleza.


3.2. A PROVA ESTÉTICA
O argumento estético ao passo de ser para Calvino prova suficiente da inspiração da Bíblia era certamente aquele que só podia ser compreendido pelo crente. Aí estava algo sobre o que o crente poderia falar para si mesmo, mas somente com muita dificuldade para o incrédulo e com a única possiblidade de ser compreendido por este mediante a obra de regeneração.


Sentir a doçura e beleza da verdade é algo que unicamente o coração regenerado pode experimentar. O crente é alguém que certamente recebeu um sentido novo. E é justamente este sentido que o faz ver a beleza da verdade contida na Bíblia e nela crer. Um senso de inevitabilidade surge no coração do que crê. Este é levado a compreensão de que se há um livro inspirado, este só pode ser a Biblia em razão da sua excelência e majestade: “Na Escritura se vêem manifestos sinais de Deus nela a falar, dos quais se patenteia que a doutrina aí contida é de teor celestial. E, pouco adiante, veremos que todos os livros da Sagrada Escritura em muito excelem a quaisquer outros escritos”.[30]


Calvino via o estilo simples da Bíblia como algo belo, mas o que lhe arrebatava o coração era a dignidade do seu conteúdo: “Então, na verdade, ainda mais solidamente se nos firma o coração, quando refletimos que à admiração lhe somos arrebatados mais pela dignidade do conteúdo que pela graça da linguagem”.[31] Sendo assim, a força do que é dito nas Escrituras não se encontra na forma, mas no seu conteúdo. A verdade bíblica sustenta-se por si só por causa da sua beleza:
Agora, quando essa não burilada e quase rústica simplicidade provoca maior reverência de si que qualquer eloquência de retóricos oradores, que é de julgar-se, senão que a pujança da verdade da Sagrada Escritura tão sobranceira se estadeia, que não necessite do artifício das palavras?[32]

Deste modo toda dúvida é banida, pois a verdade escriturística auto sustenta-se: “...pois que de toda dúvida se dirime a verdade quando, não apoiada em alheios suportes, de si só, ela própria a si se basta para suster-se”.[33]


O relato de Calvino quanto a esta verdade que é pantenteada por si só, traduz a experiência de cristãos de todos os séculos que quando lêem a Bíblia sentem algo de sobrenatural em suas linhas:


Quão peculiar, porém, é à Escritura este poder, transparece claramente disto, que dos escritos humanos, por maior a arte com que são burilados, nenhum sequer nos consegue impressionar de igual modo... é fácil perceber que as Sagradas Escrituras, que em tão ampla escala superam a todos os dotes e graças de humana indústria, respiram um quê de divino.[34]

A beleza do Novo Testamento de tal maneira o encantava que ele se sentia enlaçado por ele: “O mesmo se há de dizer de Paulo e Pedro, em cujos escritos, ainda que a maioria lhes seja cega, contudo, a própria majestade celeste neles estampada mantém a todos enlaçados, dir-se-á amarrados, para consigo”.[35]


O argumento da beleza celestial da Bíblia tão claro para Calvino é fruto de um milagre espiritual na vida daquele que crê. Tem que haver uma correspondência entre o homem e a beleza da verdade para que aquele perceba o que há de divino nesta. Isto siginifica o recebimento de um sentido novo. Uma obra de renascimento espiritual onde a capacidade de se deliciar com a beleza de Deus é restaurada. Tal como afirma Jonathan Edwards: “Os demônios podiam ter um conhecimento dos atributos (de Deus), mas não da sua beleza. Apenas o piedoso tem uma “sensível” apreensão das principais coisas divinas do evangelho”.[36] É aí que vemos como a apologética de Calvino era totalmente dependente do Espírito Santo. É Deus que pelo seu Espírito gera este encantamento com a verdade bíblica.

3.3. O TESTEMUNHO INTERNO DO ESPÍRITO SANTO

O calvinismo como corolário da doutrina do testemunho interno do Espírito Santo que assegura ao que crê a inspiração da Bíblia, ensina que o comportamento do homem nem sempre é racional, especialmente quando se trata da relação com Deus. A verdade de Deus pode ser posta diante de um ser humano com toda a sua clareza e este vir a negá-la pelo simples fato de ter suas avaliações racionais condicionadas pelo seu coração malvado. Por isto, para a fé calvinista embora a defesa racional da fé cristã apresente argumentos que tornam o homem inescusável diante de Deus, ninguém é salvo por tão somente haver ouvido uma boa defesa da veracidade do cristianismo. Não que a verdade cristã não seja suficientemente clara a ponto de um homem poder racionalmente recusá-la por julgar suas bases insuficientes. Ninguém poderá chegar na presença de Deus no dia do juízo final dizendo que tinha motivos iguais para crer e para não crer. Concordo amplamente com o apologista americano Cornelius Van Til quando este afirma:


O apologista Reformado sustenta que há um argumento absolutamente válido para a existência de Deus e a verdade do teísmo cristão. Ele não pode fazer menos sem virtualmente admitir que a revelação de Deus para o homem não é clara. É fatal para o apologista reformado admitir que o homem tem feito justiça para a evidência objetiva se ele chega a qualquer outra conclusão do aquela da verdade do teísmo cristão.[37]

O problema da incredulidade reside no fato de o coração do homem estar de tal modo adoecido pelo pecado que a mente não consegue escapar de sua contaminação.


Por isto que para Calvino não resta dúvida que toda sorte de argumentação racional da fé cristã embora seja recomendável, é inócua quando não vem acompanhada do testemunho interno do Espírito Santo. Calvino considerava-se, por exemplo, um apologista em condição de defender a Bíblia dos ataques dos adversários mais ferozes. Admitia, no entanto, que mesmo assim seu trabalho não haveria de produzir por si só aquela certeza da inspiração da Escritura:
De minha parte, se bem que não me destaco nem pela sublimada aptidão, nem pela eloquência, se, entretanto, houvesse de travar luta com os mais ardilosos desprezadores de Deus, uma a um, os quais anseiam por mostrar-se solertes e refinados em depreciar a Escritura, confio em que não me haveria de ser difícil calar-lhes as estridentes vozes... Contudo, se alguém desvencilha das detrações dos homens a sagrada Palavra de Deus, nem ainda assim haver-lhes-á de pronto infundido no coração a certeza que a piedade busca.[38]

Qual o motivo de Calvino julgar que o trabalho do apologista cristão por si só nunca poderá produzir este convencimento do coração? Para Calvino sem o testemunho interno do Espírito Santo, por mais esclarecida que a razão esteja, faltará ao coração aquela certeza que é superior a certeza racional: “... o testemunho do Espírito é superior a toda razão. Ora, assim como só Deus é idônea testemunha de Si mesmo em Sua Palavra, também assim a Palavra não logrará fé nos corações humanos antes que seja neles selada pelo testemunho interior do Espírito.[39] Sem este testemunho, Calvino deixa a impressão clara que em sua opinião, apesar de todas as evidências, o homem ficará apenas diante de probabilidades: “...até que Ele ilumine as mentes, elas sempre flutuam em meio a muitas incertezas!”[40] Em Classical Apologetics John Gerstner, R.C.Sproul e Arthur Lindsley afirmam: “O ponto é claro. O apologista provê o conhecimento; o Espírito Santo o reconhecimento”.[41]


É evidente que a prova de natureza espiritual é diferente da prova de natureza científica. No mundo da ciência quando a prova é compelidora em geral crê-se no que esta sendo racional e cientificamente comprovado. Mas a certificação de natureza espiritual requer algo mais. Isto pelo fato da prova não ser suficiente para que a verdade espiritual ganhe lugar na mente e no coração. Qual a razão de comportamento tão irracional? A razão deve-se ao fato de que as avaliações racionais dos homens podem ser determinadas pelo estado do seu coração. E quando o que está em jogo é algo que tem íntima relação com as disposições do coração, as mesmas podem perverter o julgamento racional. Como diz John Frame: “Mas, de fato, a Escritura ensina que boas provas não persuadem sempre, porque os incrédulos reprimem a verdade”.[42]


Para Calvino o coração do homem já nasce em estado de inimizade com Deus. Inconscientemente aquilo que o coração mais quer é manter-se distante do Deus real. Por esta razão, quando aquilo no qual a mente está aplicada diz respeito a verdade sobre Deus, a probabilidade é grande da mente ser levada pelo coração a negar o que é tão claro. Em especial para o que não foi regenerado pelo Espírito Santo.


Deve-se destacar que este coração perverso não vai apenas levar o pecador a chamar a verdade de mentira. Algo bem diferente pode acontecer. A mente ser convecida por algum motivo da veracidade da Bíblia e o coração não se regozijar com o que foi descoberto. A Bíblia afirma que os demônios crêem e tremem.

Richard Muller ressalta muito bem este aspecto da teologia de Calvino. Para o pai da teologia reformada fé salvadora não se tratava apenas de uma questão de crer na Bíblia, mas de confiar em Deus:

Desde de o início de sua carreira teológica, Calvino indicou outra dimensão da fé, confiança ou ‘fiducia’... possuir fé na era ‘apenas ter como verdade tudo o que tem sido escrito e dito sobre Deus e Cristo’. De fato, ele poderia definir fé como uma ‘firme e sólida confiança de coração’ como distinto de um mero conhecimento alojado no ‘cérebro’. [43]

Portanto, este testemunho interno do Espírito não é apenas algo que convence a mente da veracidade da Bíblia, mas faz com que o coração ame o que foi descoberto. A compreensão deste ponto é fundamental para que se conheça a apologética calvinista. A prova final da inspiração da Bíblia está na percepção da sua majestade e beleza do seu conteúdo. Para que o homem, no entanto, perceba tanto uma quanto a outra precisa haver um elemento de correspondência no seu coração. Ele precisa aprender a apreciar a beleza de natureza espiritual. Esta capacidade só o Espírito Santo pode criar:


Há outras razões, nem poucas nem fracas, mercê das quais da Escritura sua dignidade e majestade não só se afirma aos corações piedosos, mas ainda egregiamente Se vindica ante as sutilezas de seus detratores. Razões, entretanto, que, de si mesmas, não se revestem de suficiente valia para prover-lhe segura credibilidade, até que o Pai Celestial, nela manifestada Sua divinal majestade, de toda controvérsia lhe exime a reverência. Pelo que, realmente, satisfatória será a Escritura para conhecimento salvífico de Deus, então, afinal, quando a certeza lhe haja sido fundada na convicção interior do Espírito Santo.[44]

O crente é alguém, sendo assim, que deveria ser grato a Deus por crer de coração na inspiração, pois a compreensão espiritual desta verdade é sinal seguro da eleição. Esta era a grande convicção de Calvino:


Não temos porque estranharmos se há muitos que duvidam quanto ao Autor das Escrituras; porque, ainda que a majestade de Deus seja manifesta nelas, no entanto, ninguém senão aqueles que tem sido iluminados pelo Espírito Santo tem olhos para perceber o que certamente deve ser visível a todos, porém só visível para os eleitos.[45]

IV. CONCLUSÃO

Calvino não era contrário a apologética, mas a idéia de que as questões de natureza espiritual podem ser tratadas de modo legítimo no tribunal da razão somente. Sendo assim, para a fé reformada a razão deve ser aplicada na busca da certeza da verdade espiritual. Porém, como esta certeza resulta da remoção de uma barreira que se encontra no coração, este haverá também de receber a atenção daquele que anseia crer.


Vemos no seu tratamento dado à inspiração da Bíblia nas suas Institutas que os motivos racionais ali estão. Porém, somente são eficazes quando acompanhados da certeza do Espírito:


De igual modo, em contrapartida, quando, devotadamente e consoante a dignidade de que ela se reveste, uma vez a havemos abraçado como à parte da sorte comum das cousas, esses elementos que até então não assumiam relevância para infundir-nos e fixar-nos na mente sua segura credibilidade, são agora subsídios assaz apropriados.[46]

O que cabe fazer o homem que sob convicção de pecado anseia por crer nas promessas da Palavra de Deus? Se esta obra resulta da ação do Espírito no coração humano qual a responsabilidade daquele que busca uma fé segura nas Escrituras Sagradas? Deve este viver passivamente a espera da chegada da certeza espiritual em seu coração? Ou há decisões de sua responsabilidade que devem ser tomadas a fim de que se chegue a fé segura na verdade?
Calvino afirma com clareza que esta certeza deve ser buscada pelo homem de modo consciente:


Ora, se almejamos ao que melhor consulta às consciências, para que não sejam, perpetuamente, levadas em derredor pela dúvida instável, ou cedam à vacilação, para que nem ainda hesitem diante de quaisquer questiúnculas de somenos importancia, deve-se buscar esta convicção mais alto que das razões, ou juízos, ou conjecturas humanas, vale dizer, do íntimo testemunho do Espírito.[47]

Torna-se evidente pela citação supra que o que deve ser buscado é mais do que aquilo que o homem pode descobrir na arqueologia, filosofia, história e assim por diante. O que se deve procurar é esta experiência na qual ouve-se Deus falar nas Escrituras mediante a assistência do Espírito. Calvino seguia neste sentido o mesmo conselho dado por Agostinho. Quem quer se certificar da verdade precisa de preparar seu coração, caso contrário todo empreendimento intelectual estará fadado ao fracasso:


Procedem insipientemente, porém, aqueles que desejam que se prove aos infiéis que a Escritura é a Palavra de Deus, pois que, a não ser pela fé, isso se não pode conhecer. Portanto, com razão sentencia Agostinho, quando adverte que a piedade e a paz de espírito devem preceder, para que o homem possa entender alguma cousa acerca de questões de tão grande importância.[48]

Sendo este conhecimento indubitável da verdade resultado da obra da graça, cabe ao homem com humildade buscá-lo:


Não permita nenhum homem, portanto, em confiança orgulhosa em suas próprias habilidades, tentar alcança-lo, mas deixe-nos permitir humildemente ser interiormente ensinados pelo Pai das Luzes, que seu Espírito apenas possa iluminar nossas trevas.[49]


Concluindo, podemos dizer que Calvino deixa o homem pecador na presença de um Deus soberano que concede a bênção da iluminação espiritual a quem quer. Cabe ao homem que acha-se sob os terrores da lei, mas que não alcançou a segurança evangélica ainda, aplicar todo o seu ser na busca da verdade: considerar os fatos com a mente, fugir do pecado que deixa os olhos do coração míopes para a verdade e suplicar para que o Pai das Luzes derrame luz nas trevas do que anseia crer. Ninguém jamais procurou a Deus através de Cristo de todo o seu coração e não o encontrou. Foi isso o que prometeu o Senhor Jesus no evangelho de João, capítulo três versos trinta e um à trinta e quatro:
Quem vem das alturas certamente está acima de todos; quem vem da terra é terreno e fala da terra; quem veio do céu está acima de todos e testifica o que tem visto e ouvido; contudo, ninguém aceita o seu testemunho. Quem, todavia, lhe aceita o testemunho, por sua vez certifica que Deus é verdadeiro. Pois, o enviado de Deus fala as palavras dele, por que Deus não dá o Espírito por medida.

BIBLIOGRAFIA:
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[2] HODGE, Charles. Teologia sistemática. Hagnos. São Paulo, 2001. P. 122.
[3] Ibdem, p. 1125
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[7] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Presbiteriana. São Paulo, 1985. P. 85
[8] ibdem, p. 89
[9] ibdem, p. 89
[10] ibdem, p. 89
[11] ibdem, p. 90
[12] PACKER, J. I. Vocábulos de Deus. Editora Fiel. São José dos Campos, 1994. P. 32
[13] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Presbiteriana. São Paulo, 1985. P. 90
[14] ibdem, p. 92
[15] GERSTNER, John. The rational biblical theology of Jonathan Edwards. Vol. I. Berea Publications. Powhatan, 1991. P. 112-113.
[16] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Presbiteriana. São Paulo, 1985. P. 94.
[17] ibdem, p. 94
[18] ibdem, p. 109
[19] SPROUL R. C. If there’s a God why are there atheists? Tyndale House Publishers. Wheaton, 1996. P . 76
[20] EDWARDS, Jonathan. The religious affections. Banner of Truth. Carlisle, 1997. P . 233
[21] FRAME, John. Apologetics to the Glory of God. P& R Publishing. Phillisburg, 1994. P. 57.
[22] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Prsbiteriana. São Paulo, 1985. P. 84
[23] ibdem, p. 86
[24] BAVINCK, Hermann. Teologia sistemática. SOCEP, Santa Bárbara d’Oeste, 2001.p. 104
[25] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Prsbiteriana. São Paulo, 1985. P. 88.
[26] ibdem, p. 99
[27] ibdem, p. 106
[28] ibdem, p. 106
[29] ibdem, p. 106
[30] ibdem, p. 92.
[31] Ibdem, p. 95
[32] ibdem, p. 96
[33] ibdem, p. 96
[34] ibdem, p. 96
[35] ibdem, p. 105
[36] GERSTNER, John. The rational biblical theology of Jonathan Edwards. Vol. I. Berea Publications. Powhatan, 1991. P. 188.
[37] VAN TILL, Cornelius. The defense of the faith. Presbyterian and Reformed Publishing, 1967.p. 104
[38] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Prsbiteriana. São Paulo, 1985. P. 92-93
[39] ibdem, p. 93
[40] ibdem, p. 93
[41] SPROUL, R.C.; GERSTNER, John; LINDSLEY, Arthur. Classical apologetics. ACADEMIE BOOKS. Grand Rapids, 1984. P. 155
[42] FRAME, John. Apologetics to the Glory of God. P& R Publishing. Phillisburg, 1994. P. 62.
[43] MULLER, Richard. The unaccommodated Calvin. OXFORD UNIVERSITY PRESS. New York, 2000. P.159.
[44] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Prsbiteriana. São Paulo, 1985. P. 107.
[45] CALVINO, João. Comentarios a las epistolas pastorales de san pablo. TELL. Michigan, 1987. P. 290
[46] CALVINO, João. As Institutas Vol. I. Casa Editora Presbiteriana. São Paulo, 1985. P. 95
[47] ibdem, p. 92
[48] ibdem, p. 107
[49] CALVIN, John. Commentary on Matthew, Mark, Luke Volume 2. Books for the Ages. Albany, 1997. P. 215.

Fonte: PALAVRA PLENA: SERMÕES E TEXTOS ACADÊMICOS.