Ser o primeiro a ser escolhido quase sempre é uma condição de privilégio. E seguem-se, sensações de alegria, honra e, por vezes, as de superioridade, orgulho desmedido e, não raro, esquecimento dos benefícios alcançados. A parábola relata o desagrado dos primeiros trabalhadores ao se verem tratados da mesma forma que os demais que não trabalharam tanto quanto eles. Essa inveja (disfarçada de clamor por justiça) traz agregados dois outros males: ingratidão e esquecimento. Os primeiros trabalhadores recrutados se esquecem que também foram os primeiros a se livrarem do ócio e das preocupações. Qualquer trabalhador desempregado sabe a angustia de um dia a mais sem atividade. E aqueles foram os primeiros a se tranqüilizarem quanto a isso. Também são ingratos ao não levarem em consideração a dificuldade em se conseguir serviço naquela época e ainda mais com pagamento de uma diária completa. A maior parte da mão de obra livre dos tempos de Jesus trabalhava por bem menos do que isso. Os primeiros trabalhadores olharam para um dia de trabalho como sendo um dia de desgaste e sacrifício (“suportamos o calor do dia...”). Trata-se de um triste erro de perspectiva. Na verdade, um dia de trabalho remunerado é um dia de benção e de despreocupações. O propósito maior da parábola é ensinar que a Graça de Deus provê a mesma recompensa final (a vida eterna) a todos os escolhidos independentemente da ordem cronológica de suas conversões. O homem que praticou o mal a vida toda, arrependendo-se verdadeiramente, no fim de seus dias gozará os mesmos benefícios que aquele que dedicou-se a fé desde a mais tenra idade. Há uma significativa diferença, porém: enquanto um gozou os benefícios de uma vida íntegra o outro sofreu as conseqüências de suas más ações. Não é tão difícil entendermos isso. Quando ocorre uma catástrofe como um terremoto, nunca se é dada muita ênfase à primeira vítima resgatada e sim à última. Embora ambas sejam igualmente salvas da morte e recebam imediatamente os primeiros socorros, a última vítima resgatada com vida é sempre vista como obra de um milagre. Nesse caso há um senso comum de que quem ficou por último sofreu mais. Da mesma forma, a parábola: os últimos sofreram o desgaste de permanecer o dia todo (até as cinco da tarde) aguardando que alguém os contratasse (o que não deixa de ser algo digno de consideração). Se o fim da jornada de trabalho é às seis, quem ficaria esperando até às cinco para trabalhar apenas por uma hora? Mas aqueles perseveraram na esperança de receberem, ao menos, uma fração de pagamento. Quem olha para tão pouco com tanta esperança não pode também gozar da bondade de um generoso empregador? Mas, quando somos os primeiros, costumamos ignorar o que os outros passaram para poderem chegar aonde nós já chegamos. Deveríamos nos envergonhar.
O patrão da parábola foi “provocativamente sábio” ao ordenar a seu administrador para que recompensasse os trabalhadores na ordem inversa à contratação: dos últimos para os primeiros de modo que estes tivessem alimentada a esperança de receberem mais do que o combinado. Isso acabou por revelar uma falha muito comum: a de julgarmos os méritos dos outros a partir da comparação com o nosso mérito. Quando recebemos algum presente ou recompensa (fora de datas comemorativas principalmente) normalmente dizemos: Não precisava ter se incomodado... Nós nos sentimos “não merecedores” e o presente parece até maior. Mas, caso a mesma pessoa dê um presente maior a alguém próximo a nós... Alguém que não tenha (aos nossos olhos) se esforçado tanto... Aí o mesmo presente que recebemos, o mesmo que nos alegrou instantes atrás, esse mesmo presente fica bem menor.
Podemos ser vítimas de tratamentos injustamente discriminatórios por parte dos homens, mas jamais podemos considerar tal injustiça provinda de Deus. O argumento do proprietário é imbatível: “Não posso fazer o que quero com o que é meu? Ou você se incomoda que eu seja bom?”.
Aqueles primeiros trabalhadores não ficaram sem pagamento, não receberam menos do que havia sido combinado nem trabalharam mais do que o normal. Sua indignação também não teria se manifestado se eles tivessem recebido antes dos outros. Também não ficariam indignados se os demais tivessem recebido proporcionalmente menos que eles. Em resumo: o que os incomodou não foi algum malefício feito a eles, mas o benefício dado aos outros. Por vezes agimos assim: não aceitamos o perdão dado ao outro, o louvor dado ao outro, a gratidão demonstrada a outro ainda que nós não sejamos prejudicados.
A questão é simples: se fazemos algo por recompensa será injustiça sempre que recebermos menos do que foi estabelecido, mas se fazemos de livre e espontânea vontade (sem esperar nada em troca) não poderemos protestar se outros receberem aquilo de que nós abrimos mão. Esse é o “preço” de se fazer algo “de graça”. Qualquer coisa é muito para quem não espera receber nada.
Alessandro Mendonça
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